A arte moderna e contemporânea é composta por uma grande variedade material, utilizando-se, ocasionalmente, de técnicas não tradicionais. Muitos artistas experimentaram novos procedimentos e materiais sem avaliar previamente sua compatibilidade e a longevidade do produto final. Atualmente, há obras que possuem pouca durabilidade se comparadas com outras realizadas por meios convencionais, como têmpera e óleo sobre suportes de madeira ou tela.
Antigamente, as reações de certos pigmentos com certos aglutinantes, ou o cálculo do ligeiro amarelecimento das cores devido ao envelhecimento do óleo, eram parte do imenso repertório técnico do pintor. Esse conhecimento foi transmitido por mais de quinhentos anos. Porém, as mesmas regras não se aplicam aos métodos utilizados na arte realizada a partir do século XX, cujos estudos e experimentos não ultrapassam cem anos.
Na conservação de arte contemporânea, há um grande desafio: saber quais materiais e técnicas determinado artista aplicou. Só então é possível entender as patologias e processos de degradação a que sua obra está sujeita. Alguns artistas da arte conceitual utilizaram, por exemplo, gordura, feltro, chocolate e queijo em seus trabalhos. Nestes materiais, a problemática da preservação é óbvia. No caso de produtos pós-industriais, como os polímeros sintéticos que surgiram nos anos 50 e 60, temos no máximo setenta anos de experiência. Na época, acreditava-se que os materiais modernos seriam mais estáveis e duradouros do que os tradicionais, mas hoje sabemos que isso não é verdade. Assim, temos artistas cujas obras dos anos 70 e 80 tem grande incompatibilidade material e hoje apresentam notórios craquelês e desprendimentos pictóricos.
Existem pintores que, empregando tinta acrílica sobre telas industrialmente fabricadas a base de óleo, tiveram, depois de um tempo, a camada pictórica se separando da tela preparada, formando uma espécie de rede de escamas. Outra problemática exemplar, na lida com insumos industriais, é o uso do suporte de Eucatex (aglomerado de madeira de alta densidade). Este material possui um lado liso e outro áspero (quadriculado), sendo o primeiro, impregnado por um produto de desmoldagem, impedindo que ele grude na superfície da prensa quente durante o processo de sua produção, facilitando sua separação da mesma.
Obras de artistas que obviamente não sabiam deste fato e pintaram sem lixar ou preparar esse lado liso, sofrem quase sempre do problema de desprendimento geral após pouco tempo.
Durante um período de sua produção, um artista português utilizou a “sujeira” varrida do chão de seu ateliê, misturada com uma resina acrílica para produzir suas obras. Outro conhecido artista paulista trabalha a vaselina em camadas de até 20 cm, nas quais ele insere objetos como botas de borracha, pneus, telas metálicas etc. Nesses casos, o trabalho do restaurador é muito desafiador. A vaselina, por exemplo, é composta por parafinas de diferentes comprimentos de cadeias de massa molecular, o que resulta na separação das frações líquidas que vem para a superfície. Em dias quentes, essas obras podem literalmente desabar integralmente, com toda a massa da vaselina e os objetos inseridos.
Estes são apenas alguns exemplos, dos inúmeros outros que poderiam ser citados, que demonstram porque o restauro e a conservação de arte moderna e contemporânea ainda não são facilmente ensinados em uma faculdade. A disciplina requer soluções sempre novas, além de um conhecimento técnico-científico muito amplo e a capacidade de problem solving. É necessário ter uma atitude diferente comparado com a do restauro de arte antiga. Precisamos conhecer a técnica e pesquisar sobre os artistas com maior profundidade. Em função disso, há uma discussão constante de qual seria o conteúdo dos cursos de conservação e restauro de arte moderna e contemporânea, mas ainda não se chegou a um tipo de currículo coerente que atenda a todos estes requisitos.
Outro assunto relevante a se tratar é a intenção artística. Artistas que manifestaram não querer intervenção de nenhum tipo em sua obra, ou trabalhos que lidam com o efêmero, onde o propósito é que aquele objeto se degrade, passando por uma transição, devem ser respeitados pelo profissional restaurador. Por isso, as universidades com cursos e especialização em conservação de arte moderna e contemporânea procuram fazer entrevistas padronizadas com artistas vivos e ter registro de sua opinião e intenção. O mundo da arte passa por revoluções constantemente, sem muitas vezes nem se preocupar com o próprio futuro da área. Por isso, os conservadores/restauradores devem se manter atualizados, estudando e se especializando constantemente para se adequarem à nova regra artística. É necessário sempre estar informado sobre os materiais adequados, técnicas certas e principalmente ter a ética do restauro como principal lei em seu trabalho.
Stephan Schäfer faz parte de um grupo de especialistas chamado CIMCA (Conservation Issues of Modern and Contemporary Art), que define onde aplicar os esforços no ensino, na pesquisa e no desenvolvimento de métodos novos de conservação por conta de sua imensa complexidade. Nesse momento, o grupo definiu que o foco principal dos estudos serão as tintas vinílicas e acrílicas, que em si já colocam uma grande variedade de questões complicadas e que exigem inúmeros pesquisadores trabalhando no assunto.* Por todo o contexto apresentado aqui, podemos concluir que a conservação e o restauro de arte moderna e contemporânea são extremamente complexos e problemáticos, com poucos profissionais especializados na área. No Brasil, esse tipo de conhecimento você encontra quase que exclusivamente na Stephan Schäfer Conservação e Restauração.
*Stephan Schäfer participou de dois encontros internacionais sobre a complexidade da conservação da arte contemporânea:
Encontro do grupo da Getty, Conservation issues of modern and contemporary art (CIMCA), 2008: http://getty.edu/conservation/science/modpaints/modpaints_cimca.html
Encontro sobre pinturas de acrílico, 2009: http://www.getty.edu/conservation/education/sci_series/caps.html – link quebrado